Você já precisou mergulhar de cabeça rumo ao desconhecido, em águas revoltosas, simplesmente porque sabia que era a coisa certa a fazer?
Metaforicamente ou não, quase todo mundo já se viu nesse momento-chave, onde uma atitude talvez mudasse tudo. A segurança do convés, firme, protegido e seco, ou o mar bravio, com suas recompensas?
Pois certa vez, o professor Helio Gracie precisou decidir. O grão-mestre aperfeiçoador de várias alavancas do jiu-jítsu estava com o irmão mais velho, o grão-mestre Carlos Gracie, numa viagem no navio Itajané, em fins de 1946. O barco rumava do Norte do Brasil para o Rio de Janeiro e passava perto do arquipélago de Abrolhos quando se deu a comoção: homem ao mar! Louco, relapso ou suicida, o fato é que havia um irmão brasileiro a se afogar. Logo um bote com dois remadores foi em sua busca, mas as ondas e o estado do sujeito estavam impedindo o resgate.
Que faria você? Helio Gracie iria, e foi. O desfecho foi um final feliz e uma medalha concedida por bravura ao professor de jiu-jítsu, que na época contava 34 anos.
O episódio rende, até hoje, algumas lições, além do exemplo de bravura pura e simples. A saber:
Em primeiro lugar, vale o conhecimento
Quando Carlos e Helio Gracie foram ao convés do navio Itanajé sentir o drama do pobre náufrago que já submergia, colheram informações pouco animadoras. “Estamos em Abrolhos", disse um grumete, próximo à dupla de professores de jiu-jítsu. Outro comandante diria mais tarde: "Eu não pularia nessas águas infestadas de tubarões nem para salvar minha mãe”. De fato, Helio Gracie não conhecia a região de Abrolhos como os velhos marinheiros da área. Tampouco, naqueles tempos, conhecia as estatísticas hoje manjadas — a de que mortes por tubarões não passam de dez por ano (seis normalmente são de vítimas em águas australianas). Mas Helio detinha um conhecimento que poucos ali tinham: de técnicas de natação, esporte que o Gracie adorava praticar semanalmente e em que também era técnico, rápido e habilidoso. Do treinamento, veio a confiança de que sim, ele poderia salvar o passageiro do afogamento, e voltar são e salvo para o barco.
2. Converse com as pessoas em quem você confia
Debruçado no convés de olho nas ondas incessantes, o professor perguntou ao irmão Carlos:
— Você não tem vontade de ir lá salvá-lo?
— Sim, mas não sei se chego — respondeu com tranquilidade o mano mais velho, já que o infeliz parecia estar a mais de 500 metros do navio. Helio então respondeu de pronto:
— Mas eu sim.
— Então vá, e salve o homem.
A troca de ideias com familiares mais experientes, gente de confiança e amigos que só querem nosso bem, está provado, é uma das melhores terapias para quem está convivendo com algum problema. No episódio em questão, Helio e Carlos trocaram breves sentenças que inflaram o irmão mais novo de confiança. Sim, ele era capaz. Sim, ele podia acreditar que conseguiria. E assim ele tirou a camisa, calças e sapatos, ignorou a opinião negativa de quem temia os tubarões e saltou.
3. Concentre-se na missão
Ao pular na água, Helio Gracie contava ter sentido dúvidas. “Mas o que estou fazendo aqui?”, lembraria ele aos amigos e alunos da família Valente, décadas depois. O professor tratou então de não dar sopa para o azar, nem aos dentes dos peixes da região: mal bateu na água, tratou de bater os braços como se fora motorizado, para não ir muito fundo nem perder tempo. Ao alcançar o afogado, Helio o carregou até o bote que já dava meia-volta em desistência, deu instruções claras e diretas aos marujos (o famoso esporro Gracie) e efetivou o resgate.
4. Nada paga a consciência limpa
“Eu comecei a ficar muito cansado, já com dúvidas se o alcançaria antes de ele sumir, o que seria uma profunda decepção para mim”, recordou Helio. “Quando enfim pus as mãos nele, lembro que pensei: agora a sorte está lançada; se aparecer um tubarão, ele vai escolher entre mim ou ele!”, ria o mestre, que subiu ao bote com o resgatado.
Eram cerca de 17h30, começava a ficar escuro, e a volta de bote não estava nada fácil. Até que Helio disparou: “Remem com tudo, molengas, se não eu volto nadando!”. O Gracie voltou ao navio em meio à grande celebração, mas não estava atrás de medalha ou bravata — só queria dormir de consciência limpa por ter tentado, e cumprido a missão que se impusera. Quando o barco fez escala na Bahia, a história já tinha virado lenda. E mais um senhor feito, agora fora dos ringues, para as páginas da família Gracie.
Comentários
Beautifull conversation betwen a son and his proud dad. 🙌🙌🙌
Nesse video o grande professor dá de maneira sutil, um amor fraterno, demonstra o grande amor que tem ao seu filho. Uma mensagem que me faz pensar o que um homem com história tão grande, consegue aceitar o seu tempo acabando, quando diz; sirva de exemplo quando eu não existir mais. Meu meio século ainda não me deixa entender, apenas achar que entendo o grande mestre. OSS!
Beautiful