“Acho besteira o sujeito ter medo de morrer. Devia ter medo de nascer. Já disse aos meus filhos que quando eu morrer quero uma festa. Sem bebida, sem esculhambação”, declarou Helio Gracie, numa de suas tiradas memoráveis à imprensa brasileira.
A tal festa, de fato sóbria e sem bagunça, tardou a acontecer, tamanha era a saúde do faixa-vermelha. Contudo, o flerte de Helio Gracie (1913-2009) com a morte foi intenso e constante, samurai destemido que sempre foi. Confira a seguir sete episódios em que o grande mestre olhou nos olhos do perigo e voltou vivo para nos contar a história, antes de falecer serenamente, de causas naturais.
1. Colisão com um ônibus, em 1933
Logo no início de sua vitoriosa carreira, sem ter feito mais de três lutas, Helio Gracie sofreu um grave acidente no bairro do Humaitá, quando sua moto colidiu com um ônibus. Segundo Reila Gracie em seu “Carlos Gracie, o criador de uma dinastia”, o estrago na perna e no joelho foi tão grande que os médicos aconselharam a amputação. Seu irmão Carlos não permitiu, e a carreira de Helio pôde prosseguir, um ano depois.
2. Nadando com tubarões em Abrolhos
Quando era iniciante, o hoje veterano faixa-preta Joe Moreira estava treinando defesa pessoal e começou a dar seguidos passos para trás diante do oponente, recuando em excesso. Levou então um pescotapa afetuoso do professor Helio Gracie, que puxava o treino: “Meu filho, você é caranguejo? Quem anda para trás é caranguejo. Lutador de Jiu-Jitsu só anda para a frente – vai lá, agarra o cara e derruba”, lembrou Moreira, em entrevista recente ao Portal do Vale-Tudo. A história, ocorrida há umas boas quatro décadas, resume bem a filosofia de vida do saudoso grande mestre. Foi assim que, no verão de 1947, durante viagem entre o Rio e Fortaleza, Helio se atirou do navio Itanajé, para salvar um incauto que caíra do convés. Nenhum dos marinheiros se dispunha a salvar o náufrago, por conta dos tubarões, mas Helio saltou, trouxe o infeliz com vida e ganhou uma medalha de bravura da empresa Standard Oil.
3. No limite contra Kimura
No livro “Helio Gracie, um super homem brasileiro”, o professor conta ao amigo, aluno e jornalista José Amádio que entrou para a luta contra o mais pesado judoca japonês Masahiko Kimura, em 1951, para matar ou morrer, e que não tinha a mais leve ilusão de que sairia vencedor contra um campeão mais jovem e daquele tamanho. “Entrei lá para conhecer meu próprio limite”, disse Helio. Antes da peleja, declarou aos jornais: “Um lutador nunca foge da arena. Kimura pode quebrar meus ossos, mas não vai quebrar minha moral.” Diante do então presidente Getúlio Vargas, Helio chegou a perder os sentidos durante uma queda, e voltou. No fim, teve o braço envergado numa chave de braço, mas não batucou. A toalha atirada por Carlos Gracie marcou o fim da gloriosa batalha no Maracanã.
4. Acidente na serra
Piloto audaz, Helio Gracie nos anos 1950 sofreu outro acidente grave, quando num dia de densa neblina, seu automóvel colidiu com um caminhão-tanque na altura do hotel Quitandinha, em Petrópolis. Quebrou a rótula esquerda e o nariz, perdeu muito sangue e por fim ficou numa cama de hospital por um tempo, mas depois voltou à ativa. “Helio é valente até nos desastres: para lutar, escolheu um Kimura; para colidir, um caminhão-tanque desse porte”, comentou-se, como lembra Reila Gracie em seu livro.
5. A briga de 3h40min com Valdemar
Mestre Helio já estava aposentado dos ringues em 1955 quando uma discussão com seu ex-aluno e funcionário ganhou estardalhaço via imprensa, e o professor mais uma vez não recuou. Após quase quatro horas de vale-tudo, Helio tomou um chute no rosto desferido por Valdemar Santana e o árbitro interrompeu. “Reza a lenda que até a ‘Hora do Brasil’ foi interrompida no rádio para noticiar o resultado. A foto de Helio, com o olho direito deformado, era chocante”, escreveu o jornalista Fellipe Awi, em seu livro “Filho teu não foge à luta”.
6. Salto de paraquedas
Aos 86 anos, Helio Gracie não se fez de rogado: convidado pelos filhos, saltou de paraquedas pela primeira vez na vida, e aterrissou rindo lá embaixo.
7. Desabamento em Itaipava
Um ano antes de falecer, em 2008, Helio e sua esposa Vera dormiam no famoso sítio de Itaipava, quando foram acordados por um estrondo. Um desabamento, causado por uma enchente na região, levara parte da casa. O morro parou certinho na porta do casal, e Helio Gracie mais uma vez saiu ileso. “Parecia que a natureza sabia quem estava ali naquele quarto e demonstrou respeito”, sorriria o filho Royler Gracie, na ocasião.
* Para outras histórias inspiradoras com Helio Gracie, leia o livro “Respire”, com as memórias do filho Rickson Gracie.
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